Ficar em dívida pode custar às pessoas o direito de dirigir ou viajar para outros países – e não por causa da falta de dinheiro. Advogados estão descobrindo no novo Código de Processo Civil (CPC) novas formas de forçar os maus pagadores a fechar acordos. A mais agressiva delas, no caso de a dívida já ter sido reconhecida pelo Judiciário, é atacar os direitos pessoais.
Já há em processos de cobrança, por exemplo, pedidos de credores para que o juiz suspenda a carteira de motorista do devedor ou restrinja o seu passaporte. Por essa lógica, se não há dinheiro para quitar a dívida, também não há para manter um carro ou pagar viagens ao exterior. A estratégia é direcionada aos que tentam esconder ou desviar patrimônio para não quitar o que devem.
Há ainda outras hipóteses que vêm sendo aventadas no meio jurídico. Uma delas envolve empresas com dívidas salariais. O juiz poderá impedi-la, por exemplo, de contratar novos funcionários até que os débitos sejam saldados. Outra medida possível, direcionada às pessoas físicas, seria vedar ao devedor a participação em concursos públicos – aos moldes do que já ocorre com empresas nos processos de licitação.
Esses novos métodos de cobrança – polêmicos e que provocam divergência entre especialistas – surgiram com o novo CPC. O inciso 4º do artigo 139 dá poderes aos juízes para o uso de todas as medidas “indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias” necessárias ao cumprimento das suas decisões. Na prática, com exceção à prisão civil – permitida somente nos casos de dívidas por pensão alimentícia – não há nada que limite as restrições de direito dos devedores.
No código antigo, vigente até março, essa permissão não se estendia aos casos que envolvessem a obrigação de pagar certa quantia. O juiz, nessas situações, devia seguir as formas tradicionais de penhora ou expropriação de bens.
Daniel Amorim Assumpção Neves, que publicou recentemente um livro comentado sobre o novo CPC, tem experimentado os métodos atípicos de cobrança. O escritório onde atua, promoveu pedidos como a suspensão da carteira de motorista e o bloqueio de cartões de crédito de devedores em execuções de títulos extrajudiciais e de honorários.
O advogado chama a atenção que essas ferramentas foram usadas por dois motivos: primeiro porque todas as medidas convencionais foram esgotadas e mesmo assim os credores não conseguiram receber. E, depois, porque havia indícios nos processos de que os devedores estavam escondendo patrimônio para não arcar com as suas obrigações.
“Não é uma medida para aqueles devedores que não têm bens e que não há, no processo, indícios de que estejam maquiando patrimônio”, diz o advogado. “Toda medida coercitiva tem que ter essa premissa. Você vai pressionar o devedor a pagar uma obrigação que ele pode pagar”, acrescenta Neves.
Não há até agora, porém, decisões do Judiciário nesse sentido – apesar de o tema constar nos enunciados divulgados pela Escola Nacional da Magistratura (Enfam). O texto foi aprovado por cerca de 500 magistrados durante um seminário sobre o novo CPC, no ano passado. No enunciado nº 48 eles reconhecem que “o artigo 139, inciso 4º, traduz um poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução baseado em títulos”.
Para o juiz e professor da USP de Ribeirão Preto, Fernando Gajardoni, as novas regras ainda não foram, de fato, aplicadas por uma questão de tempo. “É uma coisa muito nova e a impressão que eu tenho é que são poucos os advogados que despertaram para isso”, observa.
E o motivo é bem específico: a localização do dispositivo no novo CPC. Foi inserido no capítulo que trata dos poderes, deveres e responsabilidades do juiz. Longe do texto que trata sobre o cumprimento da sentença e processo de execução (a partir do artigo 523).
“E é a criatividade dos advogados que vai construir as hipóteses de aplicação desse dispositivo”, afirma o juiz. “Existe uma gama de limitações de direito que podem surgir a partir dos pedidos feitos por eles.”
O magistrado compartilha, por exemplo, da possibilidade de vedar a participação do devedor em concurso público. “Uma empresa que não cumpre com as suas obrigações comerciais e tributárias não pode contratar com o poder público. Então qual é a lógica de uma pessoa física que também não cumpre contratar? Se aplicaria a mesma medida.”
Mas, de uma maneira geral, ele entende que a medida aplicada ao devedor deve ter alguma relação com o caso concreto. O juiz se diz favorável à suspensão da CNH, por exemplo, na hipótese de o devedor não entregar o veículo que seja o objeto da dívida discutida. “Porque se ele não paga o carro, ele não pode dirigir o carro”, diz Gajardoni.
Fonte: Jornal Contabil